PROSPERIDADE NO CERRADO PIAUIENSE

Dona Ani Heinrich Sanders é a prova de que o ditado popular “as aparências enganam” faz todo sentido. Quem não a conhece, pode imaginar uma mulher frágil com seus 1,47m de altura e suavidade no tom de voz. Mas bastam alguns minutos ao lado dela para que os estereótipos sejam anulados. Enérgica e determinada, dona Ani não deixa nada fora do lugar na sede do Grupo Progresso, em Sebastião Leal, no Sudoeste do Piauí. Sabe de onde vieram cada planta e cada flor dos belos jardins que ornamentam a área de administração, alojamentos e refeitório da propriedade. Com muita cordialidade, a família Sanders recebeu no mês passado a equipe d’A Granja na fazenda em que são cultivados 32 mil hectares. Em 2022, completam 21 anos que eles desbravaram o Cerrado piauiense levando desenvolvimento para uma região de alta vulnerabilidade social. Entre as seis unidades produtivas – são cinco no Piauí e uma em Minas Gerais – o Grupo Progresso emprega 560 pessoas e investe em ações de reponsabilidade junto às comunidades locais. Nesta entrevista, dona Ani e a filha Greicy contam sobre a caminhada da família e a filosofia de trabalho que não deixa dúvidas sobre um contínuo e genuíno “progresso”.

A Granja – Em 2021, o Grupo Progresso completou 20 anos de presença no Piauí. Qual o principal sentimento ao avaliar essas duas décadas?

Ani Sanders – O maior sentimento é de gratidão a essa terra que nos acolheu. O meu propósito era contribuir, retribuir, ajudar em um processo de boa convivência. Eu saí aos 20 anos do Rio Grande do Sul, deixei minha família para trás, morei 23 anos em Dourados/MS e depois parti para um Piauí carente, que parecia estar me esperando. As pessoas que encontramos apostaram em nós. Fico feliz por ajudar, por conseguir plantar uma semente. E a cada etapa da lavoura, relembramos também das adversidades que estão o tempo todo nos testando, dos investimentos altos na qualidade do solo. Cada colheita é uma emoção. O que colhemos é o nosso sustento, são grãos que percorrem o mundo. Eu estou com 63 anos e digo para os meu filhos: quero deixar um legado positivo para as comunidades próximas às nossas fazendas, para a sociedade de forma geral, para a agricultura familiar da região. É um legado de cuidado com o meio ambiente, com à educação, em um trabalho que envolve também os gestores públicos que nos acolhem nessa caminhada. Carrego a minha fé, peço as bênçãos de Deus para que possamos continuar trabalhando por um agro forte, correto, transparente. Tudo o que estiver ao meu alcance vou fazer, Acredito que o comprometimento e a sensibilidade das mulheres dentro do agro fazem toda a diferença nessa caminhada.

A Granja – Como vocês dividem as responsabilidades e as funções dentro do grupo?

Greicy Sanders – Meu pai (Cornélio Sanders) é o presidente. É essa pessoa visionária que fica vendo onde pode ir, qual a oportunidade do momento. Meu irmão Gregory, que é formado em Agronomia e Administração, cuida do campo. Ele vê qual o melhor produto a ser aplicado, o que a gente pode comprar, o que existe de inovação genética, e faz essa parte de gestão do campo junto do meu pai, porque meu pai faz questão de estar sempre junto na lavoura. Minha mãe é essa pessoa que faz as coisas acontecerem. E admirável. Ela pega uma ideia de algum outro lugar e transforma em algo muito melhor. Ela tem esse papel de transformar as unidades produtivas. Estamos no interior do Piauí, e a condição de vida aqui é muito difícil. Temos que criar uma condição confortável para nossos colaboradores. E assim que você traz pessoas para junto de você, e minha mãe faz isso acontecer. Nosso carro-chefe é ela. Eu cuido da parte de gestão, de administração, de controladoria. E meu irmão mais novo, Gueberson, que é formado em Medicina, decidiu trabalhar também no grupo, Ele hoje é gerente financeiro e fica em Brasília, onde temos nosso escritório administrativo.

“Quero deixar um legado positivo para as comunidades próximas às nossas fazendas, para a sociedade de forma geral, para a agricultura familiar da região”

A Granja — Para você, Greicy, trabalhar junto à família foi um processo natural?

Greicy — Minha mãe sempre incentivou que estudássemos. Quando me formei em Direito, em Brasília, foi até engraçado, porque eu sempre gostei de cidade, de viajar, de música clássica, do ballet, então mesmo eu estando no agro desde a infância, quem me conhecia lá em Brasília não sabia desse meu mundo. A maioria das minhas amigas fez concurso público, o que é bem normal por lá. Eu fiz muitos estágios, mas sentia que aquilo não me pertencia. A formatura foi em um sábado e, no domingo, eu fiz a mala em direção a Paracatu/MG. Passei a cuidar da unidade de lá. Comecei do zero, aprendendo, atendendo telefone, recebendo nota. Nosso gerente financeiro se aposentou e eu assumi praticamente toda a unidade. Foi quando iniciamos o processo de sucessão familiar, pensando nas responsabilidades de cada um.
Foi aí que eu vim para o Piauí, para ter uma noção global do grupo. Até então, eu conhecia a unidade de Minas. Vim em 2018 e assumi a parte administrativa. Me preparei para isso, fiz pós-graduação na área. Entrei para ajudar o meu pai nessa parte de controladoria, que a gente não tinha muito, era uma coisa feita meio que no achismo. Fui me informar para ver como funciona a gestão corporativa, fomos aplicando os processos aos poucos. Tudo era muito da cabeça do meu pai. Os números sempre estavam ali, tudo era ele que projetava, ele que sabia. Ainda é assim, mas a gente agora tem isso reportado dentro de um sistema, com todos os números conversando entre si. Essa é a ideia que a gente tem buscado, de aprimorar cada vez mais a gestão dos números, para termos um resultado que realmente diga o que está acontecendo. Prezamos pela organização. Você vê em cada canto da empresa que nada está fora do lugar, e isso é uma característica da nossa família. Estamos pensando todos juntos e isso tem dado muito certo. Meu pai é uma oficina ambulante, ele pensa coisas do além e eu quero que ele tenha tempo para criar coisas extraordinárias e não precisar cuidar do ordinário.

A Granja — E qual é a origem da família?

Ani — Os pais do Cornélio vieram da Holanda e, inicialmente, moraram na colônia de Holambra/SP, Depois, se mudaram para Não-Me-Toque/RS, que foi onde o Cornélio nasceu. Eu sou de Carazinho, cidade próxima, e foi na região que nos conhecemos. Conheci o Cornélio como agricultor, colhendo, plantando. E meu avô materno também era agricultor. Minha mãe não gostava de morar no campo e sofreu muito quando eu segui esse caminho, porque conhecia as dificuldades. Eu sofri também quando deixei minha família e fui para o Mato Grosso do Sul morar em uma fazenda que não tinha energia, não tinha água. Eu chorava de saudade dos meus pais e das luzes da cidade. São 43 anos de união, três filhos e quatro netos. Do Rio Grande do Sul, fomos para Dourados, depois Paracatu e, finalmente, chegamos ao Piauí. Digo para o Cornélio que acho que aqui é a nossa parada. Estamos colocando nossa energia e nossa fé para construirmos e mantermos tudo com muito equilíbrio.

A Granja — E como a senhora avalia o envolvimento dos seus filhos no negócio?

Ani — Quando nossos filhos se formaram, manifestaram a vontade de fazer parte do negócio. O Cornélio sempre foi muito aberto e flexível e dizia que se eles não quisessem seguir esse caminho, poderiam optar por outro. Mas ele sempre mostrou de onde vinha o dinheiro que nos sustentava. Assim, naturalmente, os filhos fizeram parte do processo, foram para a fazenda desde pequenos. Temos lembranças dos feriados de Natal e ano novo, em que liberávamos os funcionários e quem ia para cima das máquinas eram o Cornélio e os meninos. A Greicy e eu fazíamos a comida, o chimarrão. Ela levava o lanche e a água para o campo. Era sempre um momento muito alegre.

A Granja — Qual é a estrutura produtiva do grupo atualmente?


Greicy – Na Fazenda Ouro Branco, em Paracatu, cultivamos soja e milho e, esporadicamente, trigo e feijão. A propriedade fica a 170 quilômetros de Brasília, o que facilita a logística. Mas também temos um funcionário que está lá há 22 anos, o que ajuda muito. No Piauí, são cinco unidades produtivas e, no total, o grupo cultiva 82 mil hectares, sendo que a maior área é a sede, a Fazenda Progresso, com 35 mil hectares. Além de soja e milho, produzimos sementes, cultivamos e beneficiamos algodão e trabalhamos no reflorestamento com eucalipto e pecuária.

A Granja — Quais são as principais ações de sustentabilidade ambiental desenvolvidas pelo grupo?

Ani – Acho que no agro, a palavra sustentabilidade pode ser traduzida para algo que sustenta, que preserva. Temos que cuidar da terra para produzirmos. Sofremos muito com as queimadas. Depois de plantar colher, vem a época mais crítica para nós. O fogo vem, e muitas vezes acredito que é provocado. É uma luta constante, porque perdemos qualidade de solo para O fogo. Levamos palestras de conscientização às comunidades sobre o assunto, alertamos, explicamos. A água por aqui é um bem escasso, então procuramos captar e reaproveitar dentro do que é possível. Ao mesmo tempo, precisamos proteger o solo na época seca, plantando, por exemplo, capim e milheto. Durante o ano, são seis meses sem chuva e é emocionante ver a reação das pessoas daqui quando chove. A chuva é sagrada. Normalmente, começa a chover em outubro e segue até março. Durante as precipitações iniciais, que são mais isoladas, precisamos fazer a leitura correta para o manejo da lavoura. Acho que em todo esse tempo que estamos aqui, nunca vimos chuvas tão bem distribuídas como nessa safra.

“Vamos formalizar as ações sociais dentro da empresa para ter um direcionamento econômico e financeiro para isso. Vai se chamar Instituto Progresso”

Greicy — Temos um projeto de energia solar fotovoltaica que tem nos trazido ótimos resultados. Além da estrutura na sede, estão sendo instaladas placas nas demais unidades do Piauí, com possibilidade de expansão. A estrutura que temos na sede veio acompanhando a demanda de energia da nossa UBS (Unidade de Beneficiamento de Sementes).

A Granja — É os projetos de responsabilidade social?

Ani — Entre as nossas ações estão apoio aos agricultores familiares, parceria com a Fundação Shunji Nishimura (Grupo Jacto) para capacitação e formação profissional. reformas de escolas, Natal Solidário com distribuição de alimentos e brinquedos, alfabetização de colaboradores e auxílio às APAES (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) de municípios do estado. Temos a certificação da RTRS (Associação Internacional de Soja Responsável), e os créditos vendidos na plataforma podem ser direcionados para ações desse tipo Hoje são três fazendas certifica. das, mas aplicamos os mesmos protocolos nas outras unidades, Encontrei a Apae de Bertolínia em uma situação de chorar. Eu me emociono porque foi o lugar mais precário, mais necessitado que eu vi. E crianças precisando ser olhadas. Decidimos trabalhar para construir uma nova sede para atender e acolher essas crianças. Temos o apoio da prefeitura, que nos cedeu o terreno. E como Sebastião Leal é muito próximo de Bertolínia, vai existir essa conexão entre as necessidades dos dois municípios. Sebastião Leal nos acolheu, trabalhamos juntos. Eu não interfiro em política, eu não faço política. Eu construo relacionamentos. Nossa parceria com a Jacto também é muito forte, eu falo que meu sonho é, ao invés de mandar os meninos para à fundação (Shunji Nishimura), de ter uma extensão da fundação aqui, uma escola técnica formando mecânicos, operadores de equipamentos. Nossa região tem potencial e precisa de profissionais qualificados. Como realizamos um trabalho social muito intenso e essa corrente do bem foi crescendo, a Greicy e eu decidimos estruturar isso.

Greicy — Vamos formalizar as ações sociais dentro da empresa para ter um direcionamento econômico financeiro para isso. Vai se chama Instituto Progresso. É um processo complexo e que tem todo um e balho de transparência. A parte, documentação já está praticamente finalizada, e acredito que nos próximos três ou quatro meses, já se torne algo concreto.

Fonte: Revista A Granja – Atuante, Atualizada, Agrícola – Março/2022 nº879 Ano 78