AG – A Revista do Criador – Entrevista do Mês – Shiro Nishimura

Entrevista do Mês – Shiro Nishimura

Shiro Nishimura é uma das figuras lendárias do agronegócio. Ex-presidente da Jacto, fundada por seu pai – que chegou ao Brasil em 1932 -, é um apaixonado pela pecuária e pelo Nelore. Mesmo nos piores momentos da empresa, nunca desistiu das suas “vaquinhas”, como ele mesmo diz.
O projeto era de que a sua “fazendinha”, no Mato Grosso, fosse uma ocupação para o período da aposentadoria. Porém, o tino para os negócios que o fez levar a fabricante de máquinas agrícolas tão longe falou mais alto: tornou-se pioneiro em produzir genética Nelore com predição para
marmoreio. Agora, ele assume a presidência da Confraria da Carcaça Nelore com a missão
de unir todos os elos da cadeia produtiva para democratizar conquistas e melhorar a qualidade da carne brasileira.

Thaise Teixeira
thaise@revistaag.com.br

Marmoreio possível e acessível

Revista AG – Você vem de uma família que sempre atuou no ramo agrícola. Como iniciou o interesse pela pecuária de corte e pela raça Nelore?
Shiro Nishimura – Sou nascido em Pompéia, na região perto de Marília (SP). Meu pai é imigrante e veio do Japão para o Brasil com 22 anos, sozinho, em 1932. Eu, com 14 anos, decidi que queria
fazer algo independente. Meu pai havia comprado o local onde é a Jacto hoje, em Pompeia. Era uma
pirambeira, um lugar quebrado. Ele queria comprar somente um pedaço da terra na beira da estrada, mas o dono só vendia o terreno se ele comprasse tudo. Eu, moleque, resolvi que iria fazer algo ali. Tirei leite, plantei amendoim, milho, cebola, batata, enquanto meus irmãos seguiram na indústria. Ele mesmo dizia para eu trabalhar por ali porque, se meu negócio desse prejuízo, ele aguentava pagar, pois era tudo muito pequeno. Fui aprendendo a trabalhar até que decidi ser boiadeiro. Então fiz agronomia em Jaboticabal, na UNESP, e lá me formei, mas não sem antes
fazer todos os créditos de zootecnia. Quando formei, meu pai tinha um investimento envolvido no projeto Sudam (Superintendência do desenvolvimento do Amazônia), criado na época dos militares. E a indústria que tivesse algum projeto de desenvolvimento nessa área tinha desconto de 25% no imposto de renda. Foi aí que encontrei uma brecha. Como ele nunca iria tirar dinheiro da empresa para investir na pecuária propus usar o dinheiro do imposto para me capitalizar.

Revista AG – Sua criação de gado então começou na região amazônica?
Shiro Nishimura – Eu comecei em 1974, por isso que sou velho mesmo (risos). Fiquei nesse projeto, no Pará, até 1981. Saí de lá devido ao incentivo da Pastoral da Terra às invasões de propriedades. Depois de conversar com meu pai e meus irmãos, decidimos vender o negócio para comprar outro no Mato Grosso. O lugar era longe da cidade, as terras não eram tão boas, era um Cerrado. Aí fui pra lá e fiquei bastante tempo plantando arroz, braquiária e fazendo criação de gado. Eu estava bem à época, tinha 13 mil cabeças e 70 mil hectares de terra (que eram da empresa, mas quem cuidava era eu). Quando o Plano Collor congelou o dinheiro da Jacto, ofereci o que eu tinha para vender, pois era importante manter a empresa. Vendemos tudo, fazendas e gado. Quando falaram em vender
as vacas PO (de quem eu cuidava diretamente), procurei um senhor em Presidente Prudente de quem já estava comprando touros por ano. Disse-lhe que os tourinhos estavam ficando muito caros para mim e pedi que me vendesse umas vacas para iniciar um rebanho PO no MT.
Bem ajeitado, ele me arranjou um pouco de vacas velhas e lá comecei a criar meu rebanho para produzir touros para mim. Eu estava indo bem, mas chegou a hora de acabar com a fazenda também. Então, perguntei para meu irmão: “mas, rapaz, você vai matar minhas vaquinhas?” E ele me respondeu: “é paixão?” Respondi-lhe: “quase”. Ele então perguntou: “você quer ficar com as vaquinhas?” Respondi-lhe que sim, mas que não tinha dinheiro. Foi quando ele me sugeriu vender algumas das minhas ações na Jacto, e foi o que fiz. De um empreendimento do grupo fiz
um negócio pequenininho meu em Rondonópolis. E fui o ajeitando para ser o refúgio de um aposentado em MT.

Revista AG Quando o negócio passou a ser não mais apenas um refúgio para a aposentadoria?
Shiro Nishimura – Por um tempo, eu fui eleito presidente da Jacto e não conseguia atender a fazendinha de gado PO. Um dia, fui almoçar com um amigo que mora em Presidente Prudente (SP) e comentei que iria vendê-la, pois estava muito ocupado. E disse-me: “você não vai desfazer disso não. O mais difícil de fazer no Nelore você fez que foi genética para produção de carcaça. Vou te ajudar nesse negócio”. Ele ficou lá por um bom tempo. Pegava ônibus em Prudente, ia a Rondonópolis, fazia os acasalamentos e a classificação do gado. Então, um dia, há dez anos, ele disse: “olha,
lá em Prudente, tem uma moça que usa tecnologia no gado. Você vai precisar trazê-la na fazenda para fazer melhoramento”. Falei então que viesse, pois queria ver o que ela fazia com os animais. Era a Dra Liliane Suguisawa, da DGT Brasil, que me apresentou à ecografia de carcaça. Desde então, ela passou a escanear meu gado todos os anos, pois eu também estava com uma demanda do Geneplus, que exigia a realização do procedimento em todo animal de sobreano. No início
não dei muita bola para isso, não. Mas, depois, comecei a perceber que aquilo tinha fundamento.

“Quando eu chegar ao bisneto,
provavelmente,100% das minhas fêmeas
serão marmorizadas”

Revista AG – Em que momento você percebeu que a ecografia lhe abria uma grande oportunidade?
Shiro Nishimura – Tem uma coisa que aprendemos dentro da fábrica: se você quer melhorar algo, você tem que medir. Mede um ano, dois anos, três anos, quatro anos, vai medindo e fazendo melhorias. Foi quando pensei em fazer o uso disso para melhoramento. Fomos aplicando e entendendo. Na hora que eu entendi como funcionava, mergulhei de cabeça. Percebi que não preciso matar o animal para saber o que ele tem por dentro e que, com isso, eu tinha o efeito comparativo de um animal para o outro. Então, comecei a aplicar estatística na ultrassonografia e entender quem eram os melhores, os superiores, os regulares, os inferiores e fui os separando,
ficando somente com os superiores e elite. Foi um trabalho longo, mas muito frutífero. Em dez anos, já tenho três gerações em casa, de avô, pai e filho. Mais duas gerações de cruzamento e terei avô, pai, filho, neto e bisneto. Quando eu chegar ao bisneto, provavelmente, 100% das minhas fêmeas serão marmorizadas.

Revista AG – Quando você fala em fêmeas marmorizadas, em qual parâmetro se baseia?
Shiro Nishimura – Falo de, no mínimo, 3% ao sobreano. Quando ela vira vaca, o índice sobe para 5 ou Mas não faço escaneamento na vaca, somente nas novilhas. Ponho uma regra que elas precisam ter três. Para um churrasco, o marmoreio em torno de 3 ou 3,5 traz sabor para a carne, suculência, maciez. Esse índice já melhora a carne do Nelore, que, normalmente, é desprovida de marmoreio ou
tem índice entre 1 e 1,5, algo não visível nas peças compradas no varejo. Já o marmoreio acima
de 3 começa a ser percebido visualmente, e é isso que estamos procurando. Não buscamos chegar a marmoreio 6 ou 7, como o da raça Wagyu, que chega a ter Mas sim padronizá-lo entre 3,5 e 4, que resulta em uma carne com estrias de gordura entremeada visíveis e as qualidades que consideramos importantes. Queremos chegar a uma qualidade de carne não extremada, mas
mínimas para melhorar a carne do Nelore, que é predominante no Brasil, principalmente no Centro-Oeste e Norte.

Revista AG – Como se deu a evolução deste trabalho ao longo dos últimos dez anos?
Shiro Nishimura – Quando comecei 15% das minhas vacas tinham mais de 3 de marmoreio e uns 16% das novilhas ficavam em 2,5. Hoje, eu tenho mais ou menos 60% das minhas fêmeas marmorizadas acima de 3. Esse é o trabalho. Quero chegar em 100%, mas isso demora mais um pouquinho ainda. Sou produtor de semente melhoradora. Minha fazenda é pequena, diferente
de grandes propriedades que criam, escaneiam os animais e mandam as novilhas boas de marmoreio para frigoríficos e supermercados parceiros, com marca própria. Estamos no começo da caminhada, é um desejo, mas não sei quando faremos. Mas sabemos de uma coisa: já temos a ferramenta para descobrir os animais de qualidade dentro do nosso rebanho.

Revista AG – Como esses avanços vão ao encontro da Confraria da Carcaça Nelore?
Shiro Nishimura – A ideia básica da Confraria da Carcaça é atender do pasto ao prato, mas, para
isso, precisamos unir as cadeias. A confraria começou com grupo de criadores de Nelore PO.
Essa Agora, temos conosco o produtor que compra sêmen da minha fazenda, implanta nas
vacas, cria, recria, engorda e abate. Já temos gente nesse caminho. Sou da genética. Outro
usa minha genética para o gado comum. Pode ser que ele venda bezerra, recrie e engorde.
Em função disso e em função de juntar gente, estamos com entre 60 e 80 fazendas, e de
forma crescente. Vamos juntar o pouco de cada fazenda para um frigorífico abraçar a gente e
ofertar a qualidade de carne que temos. Como confraria, temos que pensar como é que vamos
ligar essas pontas.

Revista AG – Quais são suas metas à frente da presidência da confraria, assumida recentemente?
Shiro Nishimura – Passei a ocupar o cargo após o falecimento do então presidente Humberto Tavares. O que mais faz a confraria, através da DGT, é a ultrassonografia de carcaça em todos os rebanhos. O principal elo é esse. O segundo elo é o marketing, porque temos de falar o que estamos fazendo para o público, temos que atingir o criador comercial, que tem de entender o que estamos fazendo, e, depois, o frigorífico, que está mais longe. O compartilhamento de material genético também acontece sempre que um participante descobre muito bom. O nosso movimento não tem
grande criador, são todos de médio porte para baixo. Tem sido um trabalho muito bonito.

“A ideia básica da Confraria da Carcaça é atender do pasto ao prato, mas,
para isso, precisamos unir os elos da cadeia”

Revista AG – Quando e como os participantes conseguem trocar experiências presencialmente, já que estão espalhados pelo Brasil?
Shiro Nishimura – Nos dias 4 e 5 de março, realizamos um dia de campo na minha fazenda, no
MT. Havia 250 pessoas de dez estados. Falamos sobre o que está acontecendo, tivemos palestras,
demonstração de dados, troca de experiências. Uma delas foi com a Associação dos Criadores de Nelore do Brasil (ACNB), que apresentou um resultado de abate de bois com pais conhecidos, um dos quais era meu touro. A ACNB foi lá contar a história para nosso grupo e mostrar quais os benefícios dos pais conhecidos ao animal abatido, que teve 10% a mais no rendimento de carcaça no frigorífico do que a média do rebanho do criador. E, quando falamos em 10% a mais de
rendimento, significa 1@ a mais no gancho. Também conversamos com criadores pertencentes a uma cooperativa de carne do Paraná, que ficaram encantados com nosso trabalho. Compartilharam o problema que estão enfrentando na região Sul com o carrapato nas raças europeias.

Revista AG – A confraria deve estar nos eventos pecuários deste ano?
Shiro Nishimura – Antes da Covid, fomos na Expogenética, em Uberaba (MG), no Parque Fernando Costa. No primeiro ano, levei uma novilha, fizemos um churrasco de degustação, o pessoal gostou. No segundo ano e terceiro ano, participamos do evento com um estande virtual. Este ano, nossa participação será presencial e vamos estar com um estande na feira. Estou preparando um macho castrado e uma novilha, que estou engordando, que vamos servir para degustação na terça-feira à noite. Também promoveremos palestra com Roberto Barcellos, um expert em carne no Brasil.

Revista AG – Qual é o segredo para acompanhar tantas mudanças na pecuária e evoluir com
elas?

Shiro Nishimura – Aí é o seguinte: a cabeça funciona mais para frente que o dedo. Observo meu
neto de dois anos, que vai com o dedo no celular em tudo o que quer, faz tudo. E não dou conta de
acompanhá-lo. Sou analógico, não adianta achar que sou tecnológico. Tem uma coisa que é muito boa, que é a cabeça, que não para. Se você é curioso e vai fazendo as coisas, consegue. E, claro, tenho gente boa perto para me ajudar.

Fonte: Revista AG – Abril/2022 – Nº255 Ano 25 www.revistaag.com.br